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7 de fev. de 2008

Momentos são fugídios por definição!


Nas cerimônias budistas se utiliza um sino em forma de tubo bem grande.
O malho, uma tora de madeira, fica pendurado na horizontal apontando para o centro do sino.
E alguns participantes da cerimônia afastam a madeira e a empurram de volta para que toque o sino.

Este sino, se não me engano é de bronze.

É feito em forjarias com tecnologia que não evoluiu com o tempo. Medieval.

Ele deve ter sido fabricado bem centrado, peso igualmente distribuído, a espessura em cada parte do sino deve ser a mesma... Para a sua fabricação leva muitos dias e é preciso uma dedicação ímpar pois, como eu disse, as técnicas são artesanais.

O metal derretido é envasado em um conjunto de peças de barro encaixadas.
Esperam um bom tempo para o sino esfriar, solidificar.

Então chega a hora de uma cerimônia importantíssima, de uma preciosidade incalculavel!

Poucos anciãos ainda detém o conhecimento para este momento: a remoção das peças de barro para avaliar a qualidade do sino!

Espera-se que os anciãos cheguem a cidade pois eles atendem fábricas por todo o Tibet!
É feita uma cerimônia, e eles são quase o centro das atenções, pois perdem para o sino!

A cada batida que se dá num sino, ele vai amassando e ficando um pouquinho mais desafinado.
Cada toque será mais desafinado que o anterior. Nós reles mortais não percebemos a diferença, mas uns poucos maestros e aqueles anciãos, percebem.

Então só há uma maneira de avaliar um sino: OUVINDO A SUA PRIMEIRA BATIDA!

Note que não havia como como gravar e analisar o espectro do toque por computador.

Por isto o momento único da batida é cercado antes e depois pela cerimônia do primeiro toque.

Num primeiro momento, no nosso universo, o sino não tocou ainda. No momento seguinte ele já sofreu a sua primeira batida e o seu som nunca mais voltará! O som vai morrendo muito lentamente. Cada pedaço do som é saboreado pelos anciãos. Eles viajam pela reverberação do som como se ouvindo uma sinfonia de horas. Vão e voltam para o inicio da batida e para o momento atual, até que o seu som suma por completo.
Eles digerem a informação e depois retornam um parecer sobre o a qualidade do sino.

O momento do primeiro toque já está acabando quando ele começa!
Então testemunhar este momento é um privilégio para poucos!

Assim são os flagrantes da vida. Uma criança juntando um brinquedo no chão e conseguindo levantar sem cair sentada, ou mesmo se cair! Ou se ela foi ajudada ou atrapalhada por um cão...

Uma bolha de sabão que passa e se vai sem estourar! Ou se estourar! E se estourar, as gotículas de sabão se espalhando como fogos de Copacabana...

Uma jovem linda que espirra um espirro baixinho e prolongado, com rosto de bebê e ela agradece o teu "Saúde", ou se vc nao quiz interromper o silencio pós-espirro para não estragar o momento...

Uma borboleta que pousa sobre uma gota d'água pra beber! Como estamos exterminando as borboletas com mais eficiência que exterminamos baratas, este então tem sido um momento raríssimo!

Cada piscada de uma estrela no céu não será igual a nenhuma outra piscada desta mesma estrela!

Ontem eu vi um flagrante da vida que me encheu de ternura.
Uma lágrima brotando de um olho lindo!
O que tornou especial é que era uma lágrima de emoção diante de algo belo.
Uma lágrima verdadeira! Hoje em dia tenho visto só lagrimas cenográficas ou de dor...
O tempo parou pra eu ver aquela pequena grande lágrima!
E eu: Não pode ser! Você nao teria tanta sorte!
A lágrima quase teve que saltar para que eu acreditasse!
E ela não parava de crescer!
E eu nadei naquela gota como num oceano.
E o reflexo da luz tênue sobre ela ofuscou tudo em mim.
Não sobrou nada de mim, nem ego, nem medo... só meus olhos... congelados e atarefados na viagem de ida e volta, de uma borda a outra daquela gota nascente.
Aquela lágrima foi um destes momentos que ja estão pra acabar quando começam.

Naquele momento eu senti que qualquer pessoa no mundo poderia estar vendo aquela cena.
Mas era eu que estava ali com a responsabilidade de testemunhar e usufruir, nao deixar apenas passar.
Senti que Deus me deu um presente incalculável, que sempre estará guardado no relicario do meu peito!
Esta cena repetiu várias vezes hoje e parece que ficou tatuada em minha retina...

Nunca poderei reclamar da vida! Deus já me deixou incalculavelmente rico!

OBRIGADO, MEU DEUS!

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