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29 de dez. de 2007

Céu de estrelas

Eu estava saindo da empresa as 22h.
Passo por uma rua de casas comerciais com árvores nas duas calçadas.
No meio do caminho até a van ocorreu um black-out.
O chão como que subiu até a altura da copa das árvores.
Interrompi a caminhada e esperei uns instantes pra acostumar a visão.
Foi quando vi que não havia nada pra ver. Girei a mão em frente ao meu rosto e não a vi! Em volta era tudo escuridão.
Foi quando notei o céu. Estremamente estrelado, sem núvens, sem lua.
Parecia que eu estava num planetário!
Acima de mim estava a parte do céu que acho mais linda.
Órion (as tres marias), as pleiades e touro (que pra mim é uma arvore de natal), sírius (a estrela mais brilhante do ceu).
Por um instante me perdi na vertigem do conhecido eternamente desconhecido, onde não há em cima nem em baixo.
Alguns daqueles pontos de luz que eu via teve que viajar 60 anos pra chegar a mim. Acho que meu pai estava jogando bola quando ela saiu de sua origem...
Já as pleiades estão a uns 435, 445 anos luz, nao lembro bem... Como estava o Brasil nesta época? Acho que estavam cometendo a asneira de espantar os franceses...
Busquei rápido por cada um dos meus queridos asterismos... todos ali... nenhum faltando... Sabe como é, mais de 10 anos trabalhando ininterruptamente, sem férias e sem olhar pra fora... sem assistir noticiários... se alguma tivesse explodido eu nao teria ficado sabendo....
Mas na primeira olhada pareceu que todas as minhas amigas estavam ali...
No instante seguinte a realidade voltou. Eu estava no rio de janeiro no meio do pior breu que ja experimentei desde a minha infância.
Quem mora na cidade é companheiro da luz 24h/dia. Não há noite....
Mas agora eu estava experimentando a eternidade e (pasmem) o silencio da escuridão.

O eu religioso pensou que se eu morresse ficaria como a metade de cima: só luz das estrelas.
O eu realista pensou que se eu morresse ficaria como a metade de baixo: nada. sem som, sem visão.
O eu ricardo lembrou que estava com os pés no chão. Só o que eu sentia era o asfalto e pedras da calçada.

Comecei a andar arrastando os pés no chão como se fossem bengala de cego.
As esrelas acima desenhavam uma silhueta das arvores acima então eu sabia a direção a seguir e até aonde estavam as esquinas a frente.
Então parei de andar de novo: poxa, vc vai perder o espetáculo de céu estrelado sem poluição luminosa!
Olhei mais uma vez e sorri como quando eu era criança descobrindo a astronomia.
Lembrei de quando a Alessandra era uma menininha e desenrolei pra ela uma carta estelar de quase dois metros e mostrei pra ela o ponto do céu onde mais gosto, onde tem as pleiades, orion, touro...
Agora a Alessandra cresceu! E - filtro solar - um dia eu vou envelhecer!
O céu não era preto. Preto eram as casas. O céu estava azul neon bem escuro.

Mas os compromissos da vida que inventei pra mim me puxaram de volta pro presente e segui andando a uns 10 passos por minuto pois tinha que tatear o chao com a planta dos pés.
Pensei que naquele dia eu poderia morrer, quer assaltdado, quer capturado por traficantes de órgãos... Ah, quanta fantasia! medo original do escuro! se é pra ser pego, vc é pego durante o dia da mesma forma!
Voltei a relaxar, tentar ver algo no chão ou em um muro de alguma casa, mas não se via nada!
Aproveitei a visão do céu por quase 5 minutos. Talvez nunca mais eu tenha esta oportunidade de estar sozinho, em silencio, só com as estrelas!

Quando passava um carro eu aproveitava a luz dos faróis pra memorizar o caminho, acelerar o passo e notava como as estrelas sumiam neste intervalo.
Ao carro sumir o brilho gélido delas voltava e eu tinha que andar lentamente de novo.
E finalmente consegui comprovar que é possível viajar só com a luz das estrelas.
Até que dobrei a esquina. Duas quadras adiante não havia black-out.
Lá estava a Terra! A estação do trem, as vans, as pessoas.

Eu tinha que tomar uma decisão. Ficar na quadra onde eu estava, no silêncio e na luz das estrelas ou na vida real.
Era como o pessoal da caverna do dragão, olhando um portal para o seu mundo e tendo que decidir se ficam no sonho ou se vão pra realidade.
Mas há uns anos eu escolhi a realidade, não vou voltar atrás agora...
Andei em direção a luz, ao barulho e à correria que escolhi como meu habitat.
Não sem antes olhar praquele céu indescritivelmente grande e bonito apontar para as minhas amigas e dizer: até outro dia! digo... noite... ah, vocês entenderam...


Abaixo uma foto do ceu. no centro estão as 3 marias.
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